Acontece com as elétricas algo diferente com relação ao restante do mercado?
Acontece com as elétricas algo diferente com relação ao restante do mercado?
Autores: Edson Gonçalves e Fernanda Jardim
São quase meados do mês de abril e o mundo ainda não tem pistas de como debelar a crise do Covid-19 e seus efeitos sobre sociedade e economias. A marca de 1,9 milhão de infectados já está para trás e nem economias desenvolvidas foram poupadas. A China registrou oficialmente o primeiro caso em 10 de janeiro, enquanto a Europa e os EUA tiveram suas primeiras ocorrências na última semana de janeiro. No Brasil, o primeiro caso de Covid-19 foi confirmado em 25 de fevereiro. Desde então, diversas medidas já foram tomadas para restringir a circulação de pessoas com o objetivo de desacelerar a transmissão do vírus.
Afetados por uma crise que poucos poderiam ter previsto no início de 2020, os mercados financeiros globais encerraram o primeiro trimestre registrando quedas recordes. Os índices da bolsa americana S&P 500 e Nasdaq caíram 20,1% e 14% nos primeiros três meses do ano, respectivamente, encerrando o pior trimestre desde 2008. O índice industrial Dow Jones consolida uma baixa de 23% no mesmo período, seu pior desempenho desde 1987.
Fonte: Economatica, Yahoo Finance. Elaboração FGV CERI.
Os efeitos da crise também podem ser observados em termos de aumento na volatilidade. O principal indicador desta natureza, o VIX, estimado a partir da volatilidade implícita de opções financeiras negociadas no mercado americano e também conhecido como o “índice do medo”, alcança patamares inimagináveis há pouco meses atrás.
Fonte: Yahoo Finance. Elaboração FGV CERI.
A situação não é diferente no mercado brasileiro. A volatilidade desencadeada pela crise do Covid-19 também afeta o Ibovespa que, mesmo atingindo sua máxima histórica em janeiro de 2020, registra níveis de julho de 2018 e a maior desvalorização trimestral da história com queda de 36,85%. Apenas no mês de março, o principal índice do mercado de ações brasileiro acumulou uma queda de 29,9%.
Fonte: Economatica. Elaboração FGV CERI.
Conjuntamente, o mercado e, principalmente, o setor de energia sofrem impactos da guerra de preços no mercado internacional de petróleo provocada por um embate/impasse entre Rússia e Arábia Saudita. Os preços da commodity acumulam queda de 62% até o momento. A evolução do índice SP500 Energy, derivado do SP500 e constituído por companhias do segmento energético, ilustra essa amplificação dos efeitos da crise. Os dados indicam uma desvalorização de 49,5% no período, quase 150% maior com relação à desvalorização do SP500, índice-base, da ordem de 20,1% nesse primeiro trimestre.
A combinação desses choques é amplificada dentro do setor energético, tendo em vista também dificuldades a serem enfrentadas pelas companhias. Na ponta da cadeia, as distribuidoras de eletricidade enfrentam diretamente potencial aumento da inadimplência e de perdas não técnicas – os famosos “gatos”. Em resposta, governos ao redor do mundo discutem a implementação de planos emergenciais que consigam preservar a capacidade de pagamento dos consumidores finais e a saúde financeira das Utilities e das empresas de diversos outros mercados.
O índice SP 500 Utility, que reúne companhias prestadoras de serviços públicos – eletricidade, água, saneamento e gás – exibe um cenário distinto. Embora tenha sido menos afetado pela queda no preço do petróleo, o setor de utilities parece reagir de forma mais suave às medidas adotadas para compensar os efeitos da crise do novo Coronavírus.
Fonte: Economatica, S&P Dow Jones Indices. Elaboração FGV CERI.
Para o Brasil a realidade é semelhante quando observamos a evolução do IEE, índice de energia elétrica, e do UTIL, índice de utilidade pública, para o mesmo período.
A queda acumulada no IEE, que contempla 18 empresas brasileiras do setor de energia elétrica listadas na B3, é da ordem de 24,8%. Por sua vez, a carteira do UTIL acumulou desvalorização de 28,15% no trimestre. O fato é que a crise e, eventualmente, as medidas tomadas para combatê-la, podem estar distorcendo uma característica comum de utilities elétricas, consideradas ativos “defensivos” em tempos de instabilidade nos mercados financeiros.
Fonte: Economatica. Elaboração FGV CERI.
Não há consenso entre analistas nos Estados Unidos, por exemplo, acerca da capacidade e do tempo de recuperação das empresas, o que abre espaço para que outras companhias, de outros setores, sejam o alvo preferido de investidores atualmente – caso de Zoom, entre outras.
Fonte: Economatica, Yahoo Finance. Elaboração FGV CERI.
Dentro de nosso contexto brasileiro também é relevante avaliar se alguma porção da desvalorização observada pode ser atribuída a eventos específicos do setor – a despeito da dificuldade de inferir qualquer relação causal. Dentre os mais importantes temos a divulgação pela ANEEL das primeiras medidas para o setor elétrico. Em 24 de março, a Agência determinou suspensão de corte por inadimplemento. A medida alcança consumidores residenciais e de serviços considerados essenciais. Adicionalmente e diante da incerteza sobre os potenciais impactos da crise do COVID-19 no consumo de energia elétrica, em 30 de março, por meio da Portaria n°134/2020, o Ministério de Minas e Energia postergou por período indeterminado a realização dos leilões de geração e de transmissão de energia promovidos pela ANEEL. Os leilões são destinados a atender as necessidades futuras de energia das distribuidoras, assim como as necessidades de expansão dos sistemas de transmissão.
Mais recentemente, no dia 08 de abril, foi publicada a Medida Provisória 950/2020. Pelo lado do consumidor, a medida isenta o pagamento da conta de energia elétrica para unidades consumidoras beneficiárias da Tarifa Social nos meses de abril a junho. O benefício é limitado ao consumo mensal de até 220 kWh. E qualquer consumo acima desse nível não receberá qualquer tipo de desconto. Em contrapartida, com o objetivo de mitigar os impactos na sustentabilidade econômico-financeira das distribuidoras, a medida edita ações em dois âmbitos. Primeiro, ela indica aporte do Tesouro Nacional no montante de R$ 900 milhões na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) para suportar o subsídio à Tarifa Social.
A MP 950 autoriza também a contratação de operações financeiras pelas concessionárias de distribuição para fazerem frente à crise. Referidos empréstimos deverão ser pagos pelos consumidores atendidos pela distribuidora por meio de encargo tarifário; ou seja, há expectativa que seja criada uma nova edição da conta-ACR, quando em 2014 e 2015 foram contratados três empréstimos pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) que também foram pagos pelos consumidores do mercado cativo por meio da tarifa de energia elétrica. Nesse formato, os impactos da crise sobre o caixa das distribuidoras seriam integralmente imputados aos consumidores e ao poder concedente, com maior participação do primeiro grupo.
A receptividade do mercado às medidas pode ser observada no fechamento das negociações dessa semana quando os índices IEEX e UTIL apresentaram resultados superiores e no sentido contrário ao do índice IBOVESPA.
Fonte: Economatica. Elaboração FGV CERI.
O impacto das medidas citadas e de outras que virão é incerto e observaremos, ao longo deste período, postergações ou ampliações em função dos desdobramentos da crise do COVID-19. Urge, portanto, que reguladores e governos sejam eficientes na definição de mecanismos que possam proteger a saúde financeira das empresas (e a continuidade da prestação dos serviços) sem que incentivos ruins sejam criados e perpetuados em detrimento das necessidades da sociedade.
Também é igualmente complexo inferir qual será o impacto líquido da crise e de suas medidas de mitigação sobre o valor de mercado das empresas de eletricidade brasileiras. A elevada desvalorização observada desde o início da crise do COVID-19 foi atenuada, em parte, pelos movimentos desta semana de Páscoa – contudo, ainda é cedo para concluir se teremos ou não uma reversão definitiva de tendência, haja visto que os problemas financeiros e de governança crônicos do setor, em particular das companhias de distribuição, ainda existirão ao final deste período de dificuldades. Em suma, é provável que as medidas sob implementação auxiliem a mitigar o impacto do chamado “risco sistemático” sobre estas empresas – variabilidade devido a ocorrência de choques não controláveis pelas mesmas – a porção “idiossincrática” de seu risco total, que depende de suas próprias decisões, estrutura e governança, infelizmente ainda estará lá, em níveis muito elevados, quando pudermos, de fato, tratar o COVID-19 como uma “simples gripe”.
Acompanhe a produção normativa relativa ao COVID-19 por meio do Monitor Regulatório do COVID-19 do FGV CERI.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.